terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Vive e ensaia todos os dias...

A noite estava chuvosa. Na rua a luz dos lampiões ia dando um espetáculo de focos, que animava uma rua onde mais ninguém decidia estar. A água depositada, ia permitindo um jogo de reflexos que certamente nenhum fotógrafo desperdiçaria.
Ia percorrendo o caminho que nestas noites, sempre percorria. A chuva “molha tolos”, ia ensopando aos poucos a roupa que ele trazia vestida. Já nem o casaco grosso escapava. O corpo arrastando-se, trazia-lhe o espirito de uma noite onde a bebedeira, foi e estava a ser a estrela principal. O seu olhar perdido, fazia com que o seu corpo se torna-se inconsciente. Não sabia que neste momento, o seu corpo começava a tremer. O álcool a correr nas suas veias e artérias, anestesiavam aquilo que o exterior vinha a querer revelar.
Quem o visse diria “mais do mesmo, há muito que assim é, a vida o moldou”. A vida moldou-o. É certo. Hoje ele sabe, que é apenas um nome e uma idade. Em momentos de consciência sai de casa e sabe para onde vai. Mas não sabe porquê. A vida não o soube levar, ou ele nunca a soube carregar. Naquela noite, sentou-se. Por debaixo de um parapeito, ia descansando as pernas que se tornavam bambas. Tinha sonhos. Tinha objetivos. Queria passar esses sonhos em novos objetivos. Mas naquele momento sentiu que os deixava ir. A sua face, começou a forçar uma feição triste. As primeiras lagrimas, impercetíveis pela cara molhada, começavam por cair. Olhou-se. Ali sentando, ia-se observando. Os membros descaídos e as pernas desleixadas e preguiçosas, davam-lhe um ar meio soturno.
Os dias passavam-lhe e para ele eram sempre a mesma coisa. Pessoa alegre de dia e de derrame de lagrimas à noite. Já fazia tempo, o tempo em que num dos últimos momentos de consciência, antes de uma noite de sono, a sua alma sorria para o dia que se ia ali apagar. Não se mostrava triste. Era uma força da natureza no seio da sociedade. Não gostava de mostrar a vida triste que levava, nem tão pouco o seu lado melancólico. Tinham sido as escolhas que o levaram ali. Sabia disso e carregava apenas para ele o resultado das suas opções.
Todos os dias se cruzava com dezenas de pessoas e sentia que naquele momento era o único que parecia afogar-se. Questionava-se. Sem uma resposta obvia. Sentia que não tinha ninguém para desabafar e que a única boa ouvinte seria uma garrafa de um vinho carrascão, que o levava ao estado onde neste momento se mantinha. Ali quase que jazia um corpo, onde dentro de si, um ser gostava de ter sido tudo, mas que sem força torna-se a ser um nada.
Sentia que era isso mesmo, que não era suficiente bom em nada, todos os seus erros eram colocados no placar da equipa adversária, o que faria avolumar um resultado que por si só já seria desnivelado. Ali a observá-lo da janela do meu quarto, as emoções do momento, faziam-me pensar que, a vida é feita de obstáculos. Naquele preciso momento lembrava-me precisamente de uma frase que todos nós devíamos colocar como post-it eterno na nossa vida que diz algo como isto: “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”… Sejamos então nós os protagonistas máximos das nossas vidas, em constantes ensaios que sabemos que darão uma peça de que muito nos orgulharemos...

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